Os motivos da fome no mundo - parte 2
Há menos de duas semanas falei aqui nos motivos da fome do mundo, com o testemunho de Jean Ziegler num documentário de 2006, em espanhol. Também de Espanha vem o testemunho de Esther Vivas, através de um texto intitulado "Los porqués del hambre", publicado no El País de 30/07/2011 e no seu blogue, e também através de um vídeo, abaixo incorporado (tradução do texto e negritos meus, imagens obtidas na net).
"Vivemos num mundo de abundância. Hoje ele produz alimentos para 12.000 milhões pessoas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), quando no planeta habitam 7.000. Comida, há. Então, por que uma em cada sete pessoas no mundo passa fome?
A emergência alimentar que afecta mais de 10 milhões de pessoas no Corno de África voltou a colocar na actualidade a fatalidade de uma catástrofe que nada tem de natural. Secas, inundações, guerras ... contribuem para o agravamento de uma situação de extrema vulnerabilidade alimentar, mas não são os únicos factores que a explicam.
A fome no Corno da África não é novidade. A Somália está enfrenta uma situação de insegurança alimentar há 20 anos. E, periodicamente, os meios de comunicação lembram-nos, nos nossos confortáveis sofás, o impacto dramático da fome no mundo. Em 1984, quase um milhão de pessoas morreram na Etiópia; em 1992, 300.000 somalis morreram de fome; em 2005, quase cinco milhões de pessoas à beira da morte no Malawi, citando apenas alguns casos.
A fome não é uma fatalidade inevitável que afecta certos países. As causas da fome são políticas. Quem controla os recursos naturais (terra, água, sementes) que permitem a produção de alimentos? A quem beneficiam as políticas agrícolas e alimentares? Hoje, os alimentos converteram-se numa mercadoria, e sua principal função, a alimentação, ficou em segundo plano.
Se aponta a seca, com a consequente perda de colheitas e gado como um dos principais desencadeadores da fome no Corno de África, mas como é que países como os Estados Unidos e a Austrália, que sofrem severas secas periódicas, não sofrem de fome extrema? Evidentemente, os fenómenos meteorológicos podem agravar os problemas de alimentação, mas não o suficiente para explicar as causas da fome. No que respeita à produção de alimentos, o controle de recursos naturais é a chave para compreender quem e para quê se produz.
Em muitos países do Corno de África, o acesso à terra é um bem escasso. A compra massiva de solo fértil por investidores estrangeiros (agro-indústria, governos, fundos especulativos...) provocou a expulsão de milhares de camponeses de suas terras, diminuindo a capacidade desses países para se alimentarem. Assim, enquanto o Programa Alimentar Mundial tenta alimentar milhões de refugiados no Sudão, ocorre o paradoxo de que os governos estrangeiros (Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Coréia ...) estão a comprar as suas terras para produzir e exportar alimentos para as suas populações.

O aumento do preço dos cereais básicos é outro dos elementos identificados como detonador para a fome no Corno de África. Na Somália, os preços do milho e do sorgo vermelho aumentaram 106% e 180%, respectivamente, em apenas um ano. Na Etiópia, o custo do trigo subiu 85% em relação ao ano anterior. No Quénia, o milho atingiu um valor 55% superior ao de 2010. Uma escalada que tornou esses alimentos inacessíveis. Mas, quais são as razões para a escalada de preços? Vários indícios apontam para a especulação financeira com matérias-primas alimentares como uma das principais causas.
O preço dos alimentos é determinado nas bolsas de valores, a mais importante das quais, em todo o mundo, é a de Chicago, enquanto que na Europa os alimentos são comercializados nas bolsas de futuros em Londres, Paris, Amsterdão e Frankfurt. Mas hoje em dia, a maior parte das compras e vendas desses bens não corresponde a fluxos de comércio real. Estima-se que, nas palavras de Mike Masters, do Hedge Fund Capital Management Masters, 75% do investimento financeiro no sector agrícola é especulativo. Compram-se e vendem-se matérias primas com o objectivo de especular e fazer negócios, que se pepercute, finalmente, no aumento do preço dos alimentos no consumidor final. Os mesmos bancos, fundos de alto risco, companhias de seguros, que causaram a crise das hipotecas subprime são aqueles que hoje especulam com os alimentos, aproveitando-se de um mercado global profundamente desregulado e altamente rentável.

Voltando ao início, por que há fome num mundo de abundância? A produção de alimentos triplicou desde os anos sessenta, enquanto que a população global apenas se duplicou desde então. Não enfrentamos um problema de produção de alimentos, mas um problema de acesso. Como disse o relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, numa entrevista ao El País: "A fome é um problema político. É uma questão de justiça social e políticas de redistribuição."
Se queremos acabar com a fome no mundo é urgente apostar noutras políticas alimentares e agrícolas que coloquem no seu foco as pessoas, as suas necessidades, aqueles que trabalham a terra e o ecossistema. Apostar naquilo que o movimento internacional La Via Campesina chama de "soberania alimentar" e recuperar a capacidade de decisão sobre aquilo que comemos. Tomando de empréstimo um dos lemas mais populares do Movimento 15-M, é necessária uma "democracia real, já" na agricultura e na alimentação."
Esther Vivas, do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra, e autora de "Del campo al plato. Los circuitos de producción y distribución de alimentos"
Especulación alimentaria = HAMBRE from ATTAC.TV on Vimeo.
Manuela,
ResponderEliminarbom post. Nunca sera demais falarmos nisto para que as pessoas acordem e comecem a ver o problema da fome no mundo com "olhos de ver" para se exigir leis que não colidam com a soberania alimentar dos povos. Para isso, é preciso que percebam de facto a origem do problema, porque parece-me que ainda não perceberam.
Os povos, mais do que "caridade", precisam de instrumentos e ensinamentos para se auto sustentarem.
A caridade mesmo, é ensinar a pescar, não é dar o peixe.
Neste caso, o dar o peixe, serve muito mais para propaganda e expansão de um problema tão grave como a fome.
Se querem dar, então, dêem mesmo...sempre...não é o que se passa.
Convém reter:
"...há que recordar que a Somália, apesar das secas recorrentes, foi um país auto-suficiente na produção de alimentos até o final dos anos setenta. A sua soberania alimentar foi arrebatada em décadas posteriores. A partir dos anos oitenta, as políticas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial para o país pagar sua dívida ao Clube de Paris, forçaram a implementação de um conjunto de medidas de ajuste."
"Produz-se comida para 12.000 milhões de pessoas num planeta em que vivem 7.000 milhões"
Beijinhos :(
Ana Teresa
ResponderEliminarMuito obrigada por ter enviado este texto por e-mail. É de facto muito claro!
Beijinhos
Olá Manuela!
ResponderEliminarMuito bom este post!Explica muito bem a questão da fome no mundo,em que o problema é simplesmente político!
É bom que as pessoas tomem consciência do que está verdadeiramente por detrás dos problemas do mundo!
Bjs
Espero que o novo diretor da FAO
ResponderEliminarO brasileiro José Graziano (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, da sigla em inglês). possa fazer alguma ação para minimizar estas atrocidades, estes assassinatos. A fome é um problema político, mas precisamos fazer alguma coisa. Como eng . agrônomo sugiro cultivo de alimentos com um mínimo de dependencia externa, soluções simples e humildes.
Parabens peo BLOG!!
Olá Ana
ResponderEliminarA seca e as condições climáticas, cada vez mais gravosas, não chegam para explicar a catástrofe que se passa no hemisfério norte. Também acho que a Esther Vivas explica muito claro os principais motivos. Pelo menos em Espanha, saíu no El País...
Beijos
Olá Alexandre e Alana
ResponderEliminarVejo agora que também publicaram no vosso excelente blogue este mesmo texto da Esther Vivas. Um texto que vale mesmo a pena dar a conhecer, a ver se muitas pessoas entendem as verdadeiras razões da fome: os países do sul estão a ser saqueados pelas grandes multinacionais com a ajuda do FMI e do Banco Mundial.
Podemos fazer pouco, mas muitos poucos são muito. Mas ajudar através de doações não chega, e a ajuda técnica só resultará se este sistema económico e financeiro que nos domina acabar, pois é ele o predador do planeta e dos povos mais pobres.
Obrigada, e parabéns também pelo vosso estagio sitio dos herdeiros
Ola Manuela,
ResponderEliminargostei muito do blog estagio sitio dos herdeiros.
Olá Ana Teresa
ResponderEliminarPois é para gostar mesmo, é um blogue muito bom :)
Argumentos equivocados. Os tigres asiáticos quase não produzem alimento e não possuem fome. Esta retirando a culpabilidade dos problemas climáticos e jogando-a sobre as nações desenvolvidas, que não possuem fome por questões técnicas, ligadas ao mercado e a industria alimentícia. A áfrica é atrasada nestes dois quesitos. Você disse também que países africanos eram auto-suficientes, e acusou o FMI. Outro engodo histórico. Foi a penetração comunista no continente que levara a escasses de recursos, graças a sua economia planificada. Sua crítica as instituições privadas e livre mercado é falaciosa, ex: os próprios tigres asiáticos que tinham cerca de 34% em miséria extrema na década de 1960 e hoje já não existem faminto algum. A áfrica fez o caminho contrário. Todavia a fome total africana foi reduzida em 9,6% graças a globalização do mercado na ultima década. E me desculpe, mas você, não entenda nada de história africana ou economia. Textos assim, facilmente enganam leigos.
ResponderEliminarIluminismo - ciência e conhecimento
ResponderEliminarClaro que eu não percebo nada de história africana ou economia. Por isso usei o texto de alguém que percebe.
Quanto a leigos, somos todos, uns mais numas áreas, outros mais noutras. Iluminados, há muito poucos, e eu não sou um deles.
Quanto a enganar, não é este o propósito mas esclarecer. O problema é que há gente demais a preferir enganar-se a si própria