Lamento, mas tentei

O ator  Benedict Cumberbatch leu uma emotiva carta de desculpas de um pai aos filhos para o Letters Live, no Royal Hall de Londres, que foi gravada e publicada para assinalar o Dia da Terra 2024 (22 de abril). 

A carta foi escrita por Stuart Capstick*, e faz parte da campanha Cartas à Terra, que começou em 2019, quando o público britânico foi convidado a colocar a caneta no papel e a escrever cartas em resposta à emergência climática e ecológica. Está publicado no livro 'Cartas à Terra: Escrever para um Planeta em Crise' (https://www.letterstotheearth.com)

Assinalo aqui essa leitura e deixo a tradução (livre) da carta (original aqui), pois tenho o mesmo sentimento que Stuart, tão bem interpretado por Benedict.


«Uma carta aos meus filhos

Stuart Capstick

(espero que nunca tenham de ler)


Para as minhas pequenas e engraçadas pessoas favoritas 

O que posso dizer, agora que é tarde demais?

Posso dizer-vos o óbvio: que lamento, que tentei.

Posso dizer o quanto lamento por isso me ter consumido. Que mesmo enquanto estávamos sentados na cama com a luz de presença acesa, a ler juntos sobre recifes de coral e a encontrar a Dory, eu sabia que não sobrava muito tempo para aqueles lugares lindos e iluminados.

Posso dizer que tentei, que mesmo que parecesse sem esperança, ainda assim, se ainda restasse alguma hipótese, não iria desistir. Posso dizer que é por isso que apanhámos sempre o comboio, por que importunei os políticos, por que mudámos o que comíamos, por que fui preso daquela vez.

Mas o que eu quero realmente que saibam: que o mais difícil foi viver uma época em que poderíamos ter mudado isso, mas em que a maioria das pessoas simplesmente continuava como se isso não tivesse importância.

Haverá mil explicações para isso. Irão ouvir que as pessoas eram egoístas, que estávamos presos numa cultura de consumo, que os nossos políticos eram servos cobardes dos combustíveis fósseis, que os meios de comunicação social não nos mantinham informados, demasiado preocupados com concursos de dança, modas e curiosidades.

Há algo de tudo isto, mas quero que saibam como foi na altura. Parecia um sonho, onde tudo parecia tão normal, mas sob a superfície havia uma verdade horrível e brutal que todos fingimos que não existia. Quase ninguém falou sobre as alterações climáticas e a destruição do mundo natural. Se o fizesse, na maioria das vezes a conversa seria encerrada, os dispositivos familiares seriam retirados do nada para descartar, desviar e silenciar as suas preocupações.

E lá fora, o mundo - o mundo humano irrefletido, de betão e metal, sufocado pelo fumo e que tudo consome - continuava retumbante, surdo aos avisos e sem vontade de mexer um dedo.

Quero dizer que lamento e que tentei.

O vosso pai,

Stuart»

* Stuart Capstick é um cientista social e ambiental sediado na Universidade de Cardiff, onde concluiu o seu doutoramento em 2012. É vice-diretor do Centro para as Alterações Climáticas e Transformações Sociais (Centro CAST), onde lidera o tema de investigação sobre ensaios e intervenções. É um dos três representantes do Conselho Tyndall para o tema de investigação “Acelerando as Transições Sociais”.

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