Pegada alimentar: Alimentação e ambiente
Crise Ambiental | Pegada alimentar: A alimentação e o ambiente
Todos sabemos que o mundo enfrenta uma crise ambiental global sem precedentes na
história da civilização humana. Provavelmente não sabemos como enfrentá-la, mas
ignorá-la será a pior das opções. Tentar compreender o que a causou, refletir
sobre o que podemos fazer para contrariar essa crise e agir de acordo com o pensamento
informado, é o único caminho viável.
A alimentação, é, pois, o assunto que mais influencia a crise ambiental, e
em tantos níveis que seria preciso um livro para os abranger. E é neste campo que muito podemos fazer se quisermos
contribuir para minorar a crise ambiental atual.
Merece aqui destaque o movimento Slow Food, que apareceu nos
anos 80 em Itália, mas que já se estendeu a pelo menos 160 países e envolve
milhões de pessoas, que visa evitar o desaparecimento de culturas e tradições
alimentares locais, promovendo o acesso de todos a alimentos bons, limpos e
justos.
E se o produto for transgénico (ou OGM - organismo geneticamente
modificado), ou, no caso de carne, se o animal foi alimentado com produtos
transgénicos (o que é a prática corrente)? Nesse caso os impactos no ambiente
podem ser enormes – não sabemos – porque não existem estudos para isso, somos
todos as cobaias; mas uma coisa já está provada: os cultivos de alimentos OGM
ameaçam dramaticamente a biodiversidade, quer pelos efeitos contaminantes da
polinização cruzada, que acabam com as variedades alimentares locais e
adaptadas, quer porque são produzidos para resistir a herbicidas, o que implica
o maior uso dos herbicidas, logo maior contaminação ambiental, quer porque
matam insetos e outra fauna essencial e exterminam plantas que fazem parte dos ecossistemas,
alterando os equilíbrios e aumentando a extinção das espécies.
No que se refere ao peixe, e sendo Portugal um dos países com maior consumo
de peixe per capita, devemos estar muito atentos à sua origem. A sobrepesca de muitas
espécies está a levá-las para o caminho da extinção. E a extinção de uma
espécie, como por exemplo a sardinha, vai seguramente levar à extinção de
muitas outras espécies mais de topo da cadeia alimentar, podendo levar mesmo à
morte dos oceanos. Por isso, é muito importante estar informado sobre o consumo
sustentável de pescado, para o que recomendo consultar o Guia de bolso para as melhores
escolhas de peixes e mariscos em Portugal, e descarregar o Cartão SOS Oceano disponibilizado pelo
Oceanário de Lisboa.
Também muito importante é a maneira como o alimento é apresentado:
alimentos excessivamente embalados têm pegadas ecológicas muito maiores, como é
óbvio. E se algumas vezes a embalagem se destina a proteger o alimento no
transporte, muitas vezes é totalmente desnecessária e reflete uma sociedade de
consumo que já nem pensa no básico, no “é mesmo preciso?”.
As nossas
escolhas alimentares, para além de interferirem diretamente na nossa saúde,
impactam profundamente no ambiente, biodiversidade e alterações climáticas,
assim como na economia, soberania alimentar e democracia. Muito mais do que
parece à primeira vista. Quando escolhemos o que compramos para comer, não
estamos apenas a promover a nossa saúde (ou a nossa doença), estamos a
participar ativamente na construção de um futuro e de um ambiente melhores ou
piores, para nós mesmos, e sobretudo, para as gerações vindouras.
Comer é a necessidade mais básica dos seres humanos (e dos animais em
geral), e as atividades que se geram em torno da alimentação produzem mais de
25% dos gases com efeito de estufa, contribuindo para acelerar as alterações
climáticas. Só a pecuária emite 18% dos
gases com efeito de estufa, mais do que o setor dos transportes.
A alimentação é a base da nossa subsistência, e é um dos principais motores
da economia. A agricultura, a pecuária, a industria alimentar, a indústria
química que abastece a agricultura convencional e a indústria alimentar, as
empresas farmacêuticas e da biotecnologia que inventam hormonas e transgénicos
para acelerar crescimentos e lucros, as
empresas da energia e dos transportes que levam alimentos, matérias primas e
produtos, de uns continentes para outros, e o comércio: cadeias de
distribuição, revendedores, retalhistas e a restauração, as universidades,
todos estes setores da atividade se movimentam em torno dos alimentos,
exclusivamente ou inclusivamente.

Se estivermos atentos aos alimentos que compramos, podemos dar um
contributo muito significativo. E a que devemos estar atentos? Essencialmente a
3 coisas: 1 – de onde vem, 2 - como foi produzido, e 3 - que tipo de alimento
é.
De onde vem?
Quando comemos um alimento que vem da América ou da Ásia, esse alimento
teve de ser transportado. E o transporte implica consumo de combustível, o que
implica elevadas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases com efeito
de estufa. E na maior parte dos casos, desnecessariamente, pois não faltam
alternativas de alimentos locais que nos permitem uma alimentação saudável e
diversificada, com muito menos impacto no clima e no ambiente.
Por outro lado, quando
optamos por alimentos locais e da época, estamos a ter impactos positivos na
economia local e no ambiente. Se conseguirmos comprar diretamente do produtor
(não é fácil, sabemos, mas em muitos casos é possível), ou em circuitos curtos
de comercialização (um intermediário no máximo), estamos a diminuir
drasticamente as emissões de CO2 devidas ao transporte. Além disso, os
alimentos frescos que são transportados de longe perdem muitas das suas
características nutritivas com o tempo de armazenamento e transporte.

Como foi produzido?
Se o alimento foi produzido em agricultura convencional, com o uso de
pesticidas e fertilizantes químicos, ou em pecuária intensiva, vai ter
seguramente grandes impactos ambientais. Os pesticidas: herbicidas,
inseticidas, fungicidas e outros, causam graves danos ao ecossistema, pois
matam os organismos essenciais do solo, insetos de várias espécies,
inclusivamente polinizadores como as abelhas, poluem o solo, o ar e a água, e
entram na cadeia alimentar a vários níveis. Também os fertilizantes químicos de
síntese usados na agricultura convencional, as hormonas e medicamentos usados
em larga escala na pecuária intensiva acabam por poluir o solo, os lençóis
freáticos, as águas dos rios e mesmo os oceanos.
Pelo contrário, quando
optamos por comprar produtos oriundos da agricultura biológica, sabemos que
foram cumpridas regras de proteção ambiental e de bem estar animal. Na
agricultura biológica não são permitidos pesticidas ou herbicidas químicos de
síntese, e mesmo os pesticidas naturais só são usados em última instância, pois
a saúde do solo e o equilíbrio do ecossistema são a base deste modo de cultivo.
E na agricultura e pecuária biológica, não são permitidos, de todo, alimentos
ou produtos transgénicos.
Que tipo de alimento é?
Os impactos no ambiente são bem diversificados, consoante a natureza do
alimento. Se é carne, só por si, terá um impacto ambiental muito superior ao
alimento vegetal. Come-se carne a mais, tanto para a saúde como para o
ambiente. Para se produzir um kg de carne de vaca, é necessária uma área enorme
de produção do alimento para o animal (soja, milho, …) e são gastos muitos
milhares de litros de água para a sua produção. E em muitos casos, como
acontece no Brasil, essa área de produção foi subtraída a florestas essenciais
ao equilíbrio do planeta, como a Amazónia. A desflorestação é um dos principais
fatores do aumento da concentração de CO2 na atmosfera, e a pecuária é um dos
maiores fatores de desflorestação.
Com essa mesma área (para
a produção de um kg de carne) pode-se produzir muitos kg de alimentos de origem
vegetal, e mesmo muito ricos em proteínas, como é o caso das leguminosas. A
pegada ecológica alimentar de uma pessoa que costuma comer carne em quase todas
as refeições chega a ser 17 vezes superior à de uma pessoa vegetariana; e a
pegada de carbono é mais do dobro. Assim, cada vez que optamos for fazer uma
refeição vegetariana em detrimento de uma refeição com carne, estamos a ter um
impacto muito positivo no ambiente.

Está provado que os vegetarianos têm maior esperança de vida e que a carne
em excesso faz mal, mas se gosta de comer carne, saiba que não é preciso ser-se
vegetariano para se fazer muitas refeições sem carne ou peixe. É uma questão de
se agir de acordo com o que se pensa.
Outros fatores
Para além destes três fatores essenciais: de onde vem, como foi produzido e
que tipo de alimento é, os impactos da alimentação no ambiente são também muito
superiores quando se trata de alimentos processados, transformados e
refrigerados, pelo que é importante comprar os alimentos o mais naturais
possíveis; privilegiar o cozinhar em casa, pois para além de contribuir para
uma melhor saúde, contribui para um melhor ambiente.

Será bom não esquecer a minimização do desperdício alimentar. ´Comprar
apenas os alimentos necessários – com o uso de uma lista ou planificação das
refeições, é uma boa ajuda para reduzir o desperdício; aproveitar as sobras
para outras refeições, e encaminhar os resíduos orgânicos para compostagem e
produção de composto (fertilizante natural), ajudam a fechar o ciclo e a
diminuir a pegada ecológica da alimentação.
Conclusão
O futuro depende mais da alimentação do que de
qualquer outra coisa ou atividade que possamos fazer. Deste modo, está na
nossa mão ajudar a tornar este mundo melhor através das nossas escolhas
alimentares. Ao escolher produtos locais, ao preferir produtos biológicos, ao
optar por refeições vegetarianas, ao evitar produtos processados e excessivamente
embalados, e ao eliminar o desperdício alimentar, não estamos apenas a cuidar
da nossa saúde, estamos também a cuidar da saúde do planeta e das futuras
gerações.
Fontes: BCFN ; Componatura ; Fantastic Farms ; FAO ; Jusbrasil ; Não no Menu (http://naonomeu.com/2015/07/a-piramide-dupla-1/); Oceanário de Lisboa ; Slow Food ; Sustentabilidade é Acção (aqui e aqui).
Texto publicado primeiramente no Jornal Digital VILA NOVA, em 21/12/2017
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