Pegada alimentar: Alimentação e ambiente
Crise Ambiental | Pegada alimentar: A alimentação e o ambiente
As nossas
escolhas alimentares, para além de interferirem diretamente na nossa saúde,
impactam profundamente no ambiente, biodiversidade e alterações climáticas,
assim como na economia, soberania alimentar e democracia. Muito mais do que
parece à primeira vista. Quando escolhemos o que compramos para comer, não
estamos apenas a promover a nossa saúde (ou a nossa doença), estamos a
participar ativamente na construção de um futuro e de um ambiente melhores ou
piores, para nós mesmos, e sobretudo, para as gerações vindouras.
Todos sabemos que o mundo enfrenta uma crise ambiental global sem precedentes na
história da civilização humana. Provavelmente não sabemos como enfrentá-la, mas
ignorá-la será a pior das opções. Tentar compreender o que a causou, refletir
sobre o que podemos fazer para contrariar essa crise e agir de acordo com o pensamento
informado, é o único caminho viável.
Comer é a necessidade mais básica dos seres humanos (e dos animais em
geral), e as atividades que se geram em torno da alimentação produzem mais de
25% dos gases com efeito de estufa, contribuindo para acelerar as alterações
climáticas. Só a pecuária emite 18% dos
gases com efeito de estufa, mais do que o setor dos transportes.
A alimentação é a base da nossa subsistência, e é um dos principais motores
da economia. A agricultura, a pecuária, a industria alimentar, a indústria
química que abastece a agricultura convencional e a indústria alimentar, as
empresas farmacêuticas e da biotecnologia que inventam hormonas e transgénicos
para acelerar crescimentos e lucros, as
empresas da energia e dos transportes que levam alimentos, matérias primas e
produtos, de uns continentes para outros, e o comércio: cadeias de
distribuição, revendedores, retalhistas e a restauração, as universidades,
todos estes setores da atividade se movimentam em torno dos alimentos,
exclusivamente ou inclusivamente.
A alimentação, é, pois, o assunto que mais influencia a crise ambiental, e
em tantos níveis que seria preciso um livro para os abranger. E é neste campo que muito podemos fazer se quisermos
contribuir para minorar a crise ambiental atual.
Se estivermos atentos aos alimentos que compramos, podemos dar um
contributo muito significativo. E a que devemos estar atentos? Essencialmente a
3 coisas: 1 – de onde vem, 2 - como foi produzido, e 3 - que tipo de alimento
é.
De onde vem?
Quando comemos um alimento que vem da América ou da Ásia, esse alimento
teve de ser transportado. E o transporte implica consumo de combustível, o que
implica elevadas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases com efeito
de estufa. E na maior parte dos casos, desnecessariamente, pois não faltam
alternativas de alimentos locais que nos permitem uma alimentação saudável e
diversificada, com muito menos impacto no clima e no ambiente.
Por outro lado, quando
optamos por alimentos locais e da época, estamos a ter impactos positivos na
economia local e no ambiente. Se conseguirmos comprar diretamente do produtor
(não é fácil, sabemos, mas em muitos casos é possível), ou em circuitos curtos
de comercialização (um intermediário no máximo), estamos a diminuir
drasticamente as emissões de CO2 devidas ao transporte. Além disso, os
alimentos frescos que são transportados de longe perdem muitas das suas
características nutritivas com o tempo de armazenamento e transporte.
Merece aqui destaque o movimento Slow Food, que apareceu nos
anos 80 em Itália, mas que já se estendeu a pelo menos 160 países e envolve
milhões de pessoas, que visa evitar o desaparecimento de culturas e tradições
alimentares locais, promovendo o acesso de todos a alimentos bons, limpos e
justos.
Como foi produzido?
Se o alimento foi produzido em agricultura convencional, com o uso de
pesticidas e fertilizantes químicos, ou em pecuária intensiva, vai ter
seguramente grandes impactos ambientais. Os pesticidas: herbicidas,
inseticidas, fungicidas e outros, causam graves danos ao ecossistema, pois
matam os organismos essenciais do solo, insetos de várias espécies,
inclusivamente polinizadores como as abelhas, poluem o solo, o ar e a água, e
entram na cadeia alimentar a vários níveis. Também os fertilizantes químicos de
síntese usados na agricultura convencional, as hormonas e medicamentos usados
em larga escala na pecuária intensiva acabam por poluir o solo, os lençóis
freáticos, as águas dos rios e mesmo os oceanos.
E se o produto for transgénico (ou OGM - organismo geneticamente
modificado), ou, no caso de carne, se o animal foi alimentado com produtos
transgénicos (o que é a prática corrente)? Nesse caso os impactos no ambiente
podem ser enormes – não sabemos – porque não existem estudos para isso, somos
todos as cobaias; mas uma coisa já está provada: os cultivos de alimentos OGM
ameaçam dramaticamente a biodiversidade, quer pelos efeitos contaminantes da
polinização cruzada, que acabam com as variedades alimentares locais e
adaptadas, quer porque são produzidos para resistir a herbicidas, o que implica
o maior uso dos herbicidas, logo maior contaminação ambiental, quer porque
matam insetos e outra fauna essencial e exterminam plantas que fazem parte dos ecossistemas,
alterando os equilíbrios e aumentando a extinção das espécies.
Pelo contrário, quando
optamos por comprar produtos oriundos da agricultura biológica, sabemos que
foram cumpridas regras de proteção ambiental e de bem estar animal. Na
agricultura biológica não são permitidos pesticidas ou herbicidas químicos de
síntese, e mesmo os pesticidas naturais só são usados em última instância, pois
a saúde do solo e o equilíbrio do ecossistema são a base deste modo de cultivo.
E na agricultura e pecuária biológica, não são permitidos, de todo, alimentos
ou produtos transgénicos.
Que tipo de alimento é?
Os impactos no ambiente são bem diversificados, consoante a natureza do
alimento. Se é carne, só por si, terá um impacto ambiental muito superior ao
alimento vegetal. Come-se carne a mais, tanto para a saúde como para o
ambiente. Para se produzir um kg de carne de vaca, é necessária uma área enorme
de produção do alimento para o animal (soja, milho, …) e são gastos muitos
milhares de litros de água para a sua produção. E em muitos casos, como
acontece no Brasil, essa área de produção foi subtraída a florestas essenciais
ao equilíbrio do planeta, como a Amazónia. A desflorestação é um dos principais
fatores do aumento da concentração de CO2 na atmosfera, e a pecuária é um dos
maiores fatores de desflorestação.
Com essa mesma área (para
a produção de um kg de carne) pode-se produzir muitos kg de alimentos de origem
vegetal, e mesmo muito ricos em proteínas, como é o caso das leguminosas. A
pegada ecológica alimentar de uma pessoa que costuma comer carne em quase todas
as refeições chega a ser 17 vezes superior à de uma pessoa vegetariana; e a
pegada de carbono é mais do dobro. Assim, cada vez que optamos for fazer uma
refeição vegetariana em detrimento de uma refeição com carne, estamos a ter um
impacto muito positivo no ambiente.
No que se refere ao peixe, e sendo Portugal um dos países com maior consumo
de peixe per capita, devemos estar muito atentos à sua origem. A sobrepesca de muitas
espécies está a levá-las para o caminho da extinção. E a extinção de uma
espécie, como por exemplo a sardinha, vai seguramente levar à extinção de
muitas outras espécies mais de topo da cadeia alimentar, podendo levar mesmo à
morte dos oceanos. Por isso, é muito importante estar informado sobre o consumo
sustentável de pescado, para o que recomendo consultar o Guia de bolso para as melhores
escolhas de peixes e mariscos em Portugal, e descarregar o Cartão SOS Oceano disponibilizado pelo
Oceanário de Lisboa.
Está provado que os vegetarianos têm maior esperança de vida e que a carne
em excesso faz mal, mas se gosta de comer carne, saiba que não é preciso ser-se
vegetariano para se fazer muitas refeições sem carne ou peixe. É uma questão de
se agir de acordo com o que se pensa.
Outros fatores
Para além destes três fatores essenciais: de onde vem, como foi produzido e
que tipo de alimento é, os impactos da alimentação no ambiente são também muito
superiores quando se trata de alimentos processados, transformados e
refrigerados, pelo que é importante comprar os alimentos o mais naturais
possíveis; privilegiar o cozinhar em casa, pois para além de contribuir para
uma melhor saúde, contribui para um melhor ambiente.
Também muito importante é a maneira como o alimento é apresentado:
alimentos excessivamente embalados têm pegadas ecológicas muito maiores, como é
óbvio. E se algumas vezes a embalagem se destina a proteger o alimento no
transporte, muitas vezes é totalmente desnecessária e reflete uma sociedade de
consumo que já nem pensa no básico, no “é mesmo preciso?”.
Será bom não esquecer a minimização do desperdício alimentar. ´Comprar
apenas os alimentos necessários – com o uso de uma lista ou planificação das
refeições, é uma boa ajuda para reduzir o desperdício; aproveitar as sobras
para outras refeições, e encaminhar os resíduos orgânicos para compostagem e
produção de composto (fertilizante natural), ajudam a fechar o ciclo e a
diminuir a pegada ecológica da alimentação.
Conclusão
O futuro depende mais da alimentação do que de
qualquer outra coisa ou atividade que possamos fazer. Deste modo, está na
nossa mão ajudar a tornar este mundo melhor através das nossas escolhas
alimentares. Ao escolher produtos locais, ao preferir produtos biológicos, ao
optar por refeições vegetarianas, ao evitar produtos processados e excessivamente
embalados, e ao eliminar o desperdício alimentar, não estamos apenas a cuidar
da nossa saúde, estamos também a cuidar da saúde do planeta e das futuras
gerações.
Fontes: BCFN ; Componatura ; Fantastic Farms ; FAO ; Jusbrasil ; Não no Menu (http://naonomeu.com/2015/07/a-piramide-dupla-1/); Oceanário de Lisboa ; Slow Food ; Sustentabilidade é Acção (aqui e aqui).
Texto publicado primeiramente no Jornal Digital VILA NOVA, em 21/12/2017
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